Hilton Garcia Fernandes
Em 16 de outubro de 2009, durante a Futurecom 2009 [1], o presidente da Oi [2], Luiz Eduardo Falco deu uma entrevista à Convergência Digital TV [3], que foi publicada no Youtube [4].
Nesta entrevista, Falco faz várias afirmações que valem a pena ser discutidas; algumas bastante polêmicas. Contudo, uma das mais importantes, título do video e apresentada no resumo do video no Youtube, não está contida no video. Pode ser localizada em matérias relacionadas, como [5], de Ethevaldo Siqueira [6]. Seria a afirmativa de que as teles já investiram cerca de R$ 11 bilhões e têm cerca de 200.000 km de rede construída. Muitos a discutem, mas isto não será feito aqui, pois outro é o foco deste texto.
O que será discutido são duas afirmações de Falco, a respeito da possibilidade e oportunidade de banda larga no 3G [7], e uma estimativa de custos apresentada por ele para uma rede desse tipo.
Web 2.0 e transparência
Por uma questão de justiça, deve-se louvar a transparência permitida pela Web 2.0 [8], que permite que conteúdos como o deste vídeo possam ser oferecidos para a população. Antes dela, seria difícil conhecer o pensamento vivo do presidente de uma operadora como a Oi.
Também foi possível que a população se manifestasse a respeito das opiniões do presidente da Oi expressas na entrevista [4]. Em geral de forma bastante agressiva, com palavrões e, num primeiro momento, até mesmo com racismo. Felizmente, a Web 2.0 tem seus mecanismos de ajuste e os ataques racistas foram retirados.
De qualquer modo, o que resta é que a população -- e os brasileiros usuários do Youtube são parte importante dela --, está bastante insatisfeita com o padrão de serviços oferecidos pelas teles.
Banda larga 3G
A afirmação de Falco que causou polêmica em [4] foi a que não é possível, e nem desejável que os usuários tenham direito a 3G com banda maior do que 300 kbps.
Segundo o raciocínio de Falco, seria muito caro desenvolver redes para oferecer 30 Mbps, ou megabits por segundo, para a população. E, afinal de contas, com 300 kbps se tem navegação satisfatória, para usuários individuais, segundo ele.
Um ponto muito triste é que as operadoras venderam planos de capacidades muito maiores do que os 300 kbps -- na faixa de 1 Mbps. Com certeza elas se resguardaram em cláusulas contratuais de fornecimento garantido, possivelmente de apenas 10% do valor nominal: assim 1 Mbps nominal vira apenas 100 kbps garantidos.
Não é de se surpreender que usuários tenham se manifestado de modo tão agressivo quanto aquele visto nos comentários da entrevista [4].
Sem querer colocar as teles como empresas malévolas, é necessário admitir que, mundialmente, toda comunidade de telecomunicações se surpreendeu com o crescimento, no último ano, do consumo da banda larga móvel. Em termos mundiais, ele foi de cerca de 72% [9]. No Brasil, chegou a ser de incríveis 327% [10].
Duas conclusões:
- há uma demanda incrivelmente reprimida no atendimento da Internet, que que leva usuários a procurarem alternativas de atendimento.
Claro que o brasileiro é um povo fascinado por novidades, e é claro que há conveniências na banda larga móvel. Mas 327% são 327%; - o modelo concorrencial brasileiro, que analistas ponderados como Cláudio Dascal não hesitam em chamar de "cartel" [11], tem sido muito tolerante com as empresas também quanto à exigência de serviços e planos de investimento.
Afinal, mesmo que o erro, humana ou tecnicamente seja inevitável, a correção também deveria sê-lo: se o consumo de banda larga 3G excedeu as expectativas, as agência reguladoras deveriam pressionar as empresas para uma solução que garantisse melhor qualidade de serviço. Mesmo que os contratos, juridicamente, ainda sejam válidos, garantir apenas 10 % do valor nominal é extremamente insatisfatório para empresas e usuários.
Contas para infra-estrutura
Um outro ponto muito interessante na entrevista de Falco [4] é sua afirmativa de que, em uma rede de operadora típica, valem as seguintes proporções aproximadas de custo:
- o backbone [12] corresponde a 15% do custo global da rede;
- o backhaul, ou a parte da rede por onde ele trafega [12], custa entre 35 e 50%;
- o last mile, ou rede de atendimento ao cliente [12], custa cerca de 50%
Em uma entrevista, alguma imprecisão entre valores deve ser tolerada. Sendo assim, se o custo da rede do backhaul varia entre 35% e 50%, é provável que, nesta estimativa, o custo do last-mile (outro grande custo) também deva variar entre estas faixas visando chegar a 100%. Como o custo do backbone é o menor dos três componentes, sua variabilidade aparentemente tem de ser menor.
Seria interessante aplicar as contas ao projeto de rede nacional de banda larga, aventada pelo governo federal [12]. Em primeiro lugar, segue a imagem do mapa de fibra óptica disponível.

Pode-se ver que é uma rede muito ampla que cobre mais do que o litoral, chegando ao Tocantins e ao interior do Maranhão. Alguns [13] estimaram a rede da Eletronet em cerca de R$ 600 milhões. Portanto, o total da rede, segundo esses cálculos estaria em em cerca de R$ 4 bilhões. Estes recursos seriam suficientes para cobrir grande parte do território nacional -- ou pelo menos a parte onde está grande parte da população.
Simetricamente, as teles têm comentado [5] que seus investimentos chegam a R$ 11 bilhões. Refazendo as contas, tem-se que, destes cerca de R$ 1,6 bilhões seriam o custo de seu backbone. Dividindo esse valor por 4 -- pois parece ser este o número das maiores operadoras -- ter-se-iam backbones de R$ 400 milhões. Ou cerca de 67% inferiores àqueles da Eletronet, já bastante impressionantes. Seria interessante ver mapas dos backbones das teles para fazer essa comparação de modo justo.
Estas são contas muito simplificadas, que não levam em conta a história de cada companhia: algumas teles receberam parte de seu backbone das estatais que compraram; outras têm grande parte de sua clientela em área relativamente reduzida.
Mas fazem pensar que números da casa de bilhões ou milhões de reais devem ser apresentados com bastante cuidado, maior do que aquele que está sendo praticado no debate do PNBL.
Referências
[1] Futurecom 2009
http://www.futurecom2009.com.br/
Visitado em 25 de março de 2009
[2] Oi (telecomunicações)
https://secure.wikimedia.org/wikipedia/pt/wiki/Oi_(telecomunica%C3%A7%C3%B5es)
Visitado em 25 de março de 2009
[3] Convergência Digital TV
http://www.convergenciadigital.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=84
Visitado em 25 de março de 2009
[4] Banda Larga: Brasil não pode se dar ao luxo de duplicar infraestrutura
http://www.youtube.com/watch?v=0tMRE1t93NU&feature=related
Visitado em 25 de março de 2009
[5] Teles e especialistas rejeitam estatização - Ethevaldo Siqueira
http://www.ethevaldo.com.br/Generic.aspx?pid=1555
Visitado em 25 de março de 2009
[6] Ethevaldo Siqueira
https://secure.wikimedia.org/wikipedia/pt/wiki/Ethevaldo_siqueira
Visitado em 25 de março de 2009
[7] 3G
https://secure.wikimedia.org/wikipedia/pt/wiki/3g
Visitado em 25 de março de 2009
[8] Web 2.0
https://secure.wikimedia.org/wikipedia/pt/wiki/Web_2.0
Visitado em 25 de março de 2009
[9] Allot MobileTrends: Global Mobile Broadband Traffic Report Shows Significant 72% Growth in Worldwide Mobile Data Bandwidth Usage in H2, 2009
http://bit.ly/boQr46
Visitado em 25 de março de 2009
[10] Banda larga móvel cresce 227%
http://bit.ly/bw5JiY
Visitado em 25 de março de 2009
[11] Mais um competidor em telefonia celular?
Teletime, Ano 13, no. 130, Março 2010
[12] Plano Nacional de Banda Larga: primeiras ideias
http://tecnologiassemfio.blogspot.com/2010/02/plano-nacional-de-banda-larga-primeiras.html
Visitado em 02 de abril de 2009
[13] Oi negocia compra de dívida da Eletronet por R$ 140 mi
http://insight-laboratoriodeideias.blogspot.com/2010/02/oi-negocia-compra-de-divida-da.html
Visitado em 25 de março de 2009
Guardadas as devidas proporções, e deixando de lado marionetes como Luiz Eduardo Falco, a concessionária Oi, que possui Daniel Dantas (grupo Opportunity) intensamente atuante nos bastidores, aplica em seu mercado uma estratégia parecida com aquela praticada pelo Google: acaricia com uma mão e bate com a outra.
ResponderExcluirSe o Google veste a camisa do FOSS e alardeia o "Summer of Code" por um lado, entrega na surdina as informações de seus usuários ao mundo através do Google Buzz (tentando justificar algo que já era feito há tempos, apenas para o governo norte americano).
Analogamente, a Oi, que "libertariamente" empunhou a bandeira do desbloqueio de aparelhos (e hoje brada aos quatro ventos que foi a responsável pelas novas regras da ANATEL), possui ironicamente na figura de seu acionista Daniel Dantas, um dos maiores "atores" do teatro brasileiro de privatização entreguista, encenado no setor de telecomunicações. Movimento iniciado na era FHC, e protagonizado por Sergio Motta, que rifou toda a infraestrutura que pode antes de falecer (em boa hora).
O grupo Opportunity é a maior "lavanderia" do Brasil. E todo mundo acha lindo quando a Oi oferece planos gratuitos mirabolantes (temporariamente) a seus clientes.
A grande diferença entre os jogos duplos do Google e da Oi, é que o primeiro trabalha a favor de seu Estado.
E ainda há, pasme, quem diga que o sucateamento é um fenomeno ligado apenas à má estatização. A marionete Falco mostra que não.