quinta-feira, 15 de julho de 2010

O império contra‑ataca

O caso do golpe de OEM aplicado por alguns fabricantes de computadores e endossado pela Microsoft



Marcio Barbado, Jr.



Há uma farsa em andamento no mercado de TI. Ela é a razão destas linhas.

Todo o esforço despendido aqui cumpre o papel de expor uma terrível cilada do software proprietário que, furtivo, aproveita‑se de um paradigma do mercado de TI conhecido por “convergência de infraestrutura” para conduzir ao ápice o cinismo propagado pela Microsoft e seus parceiros.

A consolidação do referido paradigma foi meticulosamente desenhada pela indústria de informática [1], e inclui um golpe sustentado por um tipo de licença para sistemas operacionais, chamado OEM, de Original Equipment Manufacturer.

O termo "Original Equipment Manufacturer" significaria algo como "Fabricante de Equipamento Original", uma expressão que em pouco ou nada remete à ideia que deveria passar.

Basicamente, OEM ─ sigla com a qual alguns leitores provavelmente já se depararam, diz respeito ao regime comercial utilizado por fabricantes cujos produtos possuem uma ou mais parte(s) produzida(s) por outro(s) fabricante(s) [2]. E a licença para software, chamada de OEM, é aquela que se refere ao programa de computador adquirido junto com um equipamento. Exemplos disto são os sistemas operacionais que já vêm legalmente instalados em computadores.


Livres ou proprietários, os equipamentos que levam software OEM consigo, começam errando no conceito.

Aqui vai uma novidade: SOFTWARE NÃO É HARDWARE.

Padronizar as instalações de sistemas operacionais nas linhas de montagens de computadores, significa ignorar o fato de que usuários finais diferentes podem possuir necessidades distintas.

E neste momento, alguns leitores poderiam ponderar:

“Bem, esse texto irá atacar a padronização proposta pelo modelo chamado de convergência de infraestrutura”.

Não.

O erro da indústria, que até certo tempo atrás era inofensivo e conceitual, e vertia feito um pequeno córrego, encoberto pelo bosque do lobby e do jeton, evoluiu para um irrefreável rio, carregando toda a podridão dos esgotos do corporativismo proprietário, que deseja, muito mais do que induzir as necessidades de usuários e programadores a uma padronização, atentar contra a liberdade de se reverter essa padronização.

É o que vem acontecendo na surdina com muitos dos computadores vendidos com sistemas Windows.

Logo, o ponto do presente texto é tratar do enrijecimento que vem sendo aplicado ao modelo proprietário de programas de computador, escorado pelas tais licenças OEM, e que foi longe o bastante para incorrer em um tipo de crime que no Brasil é conhecido por propaganda enganosa, prática expressamente proibida pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078 de 11 de SETEMBRO de 1990) [3], que é parte do Código Civil.

Atualmente ao se comprar um computador com uma licença OEM para um sistema operacional Windows (que já viria instalado no equipamento), corre‑se o risco de se receber uma versão profundamente modificada do sistema, que seria meramente baseada no original.

Não bastasse o fato de remontar às ideias de padronização e "venda casada" [4] (alguns programas e equipamentos já são feitos para o esquema OEM sem a opção de serem vendidos separadamente [5]) justificada pela redução de custos, atualmente, fabricantes como a Hewlett-Packard, Dell, Lenovo e Positivo começaram a vender seus equipamentos, acompanhados de SOFTWARE ALTERADO vinculado a licenças OEM do SOFTWARE ORIGINAL ou seja, paga‑se por exemplo pela licença do Windows 7 mas o que se recebe é uma adaptação do referido sistema operacional, feita pelo fabricante do computador, e não se pode reverter a versão a(du)lterada do sistema a sua forma original, que seria aquela produzida pela Microsoft (e isenta de personalizações tão descabidas quanto sorrateiras).

Parafraseando famosos comerciais televisivos, "isso não é tudo, tem mais!"

Há 2 agravantes sérios.

  • O primeiro é que tal versão além de possuir configurações obscuras, frequentemente falha em oferecer características que o sistema operacional original ofereceria, ou seja, a versão alterada não atende às necessidades técnicas que a versão original atenderia.


  • O segundo e derradeiro agravante é fatal. São os discos de instalação que acompanham o equipamento, e que deveriam oferecer a chance de uma reinstalação. Pois é, tais discos também possuem a versão alterada do software.



Cabe destacar que alguns fabricantes de computadores sequer entregam os discos.

Claro que a Microsoft sabe e concorda com o “esquemão” OEM. Quem não sabe, e demora a perceber, é a esmagadora maioria dos consumidores de produtos de informática.

O fato é que a venda de computadores com licenças OEM evoluiu para esse golpe, que no Brasil é praticado diariamente aos montes, ferindo os direitos de pessoas físicas e jurídicas.

O que era apenas (?!) venda casada e padronização reversível evoluiu para venda casada , padronização irreversível e propaganda enganosa.

Há algum tempo atrás, recebia‑se uma versão adaptada já instalada mas ao menos o fabricante tinha a decência de entregar discos com os sistemas operacionais originais, e esses sim, correspondiam às licenças.

Hoje, mesmo os discos entregues com os equipamentos possuem sistemas alterados. E caso se reclame com os fabricantes, estes se negarão a entregar as mídias de instalação contendo os sistemas originais. Entregarão outras cópias do sistema já alterado no máximo.

Golpe baixo. Fator que o corrobora são as notas fiscais. Elas discriminam software OEM com o termo custom (ou “personalizado”) em alguns casos. E assim o fabricante NÃO entrega discos com o sistema em sua forma original após a efetivação da venda.

Convém ressaltar que esse truque fiscal é recente, e mesmo hoje algumas notas ainda não trazem consigo o vago qualificador custom, que sequer respeita o idioma oficial do país em que deseja se fazer valer. E algumas notas sequer discriminam o software.

E a Microsoft? Bem, ela se OEMite (omite), negando‑se a dar respaldo àqueles que optaram por comprar seus sistemas.

Os fins dessa estratégia parecem bastante obscuros. É possível mesmo aos mais ingênuos, tecer considerações sobre a inserção indevida de configurações, software e projeto gráfico (identidade visual) de terceiros (os fabricantes de computadores) num sistema operacional que deveria chegar a seu usuário final, isento de partes adicionais, instaladas sem o consentimento explícito daquele que adquire o equipamento.

Já os mais paranóicos podem enlouquecer, tamanha a quantidade de suspeitas e dúvidas que se podem levantar nesse contexto.

A propaganda enganosa contudo é indubitavelmente proposital. Isso porque o software é modificado na fábrica através do Kit de Pré‑instalação OEM (OPK) [6], e posteriormente, vende‑se um equipamento com uma versão do sistema não especificada pela licença.

Sim, paga‑se por um programa de computador e se recebe outro.

A falta de transparência inerente ao software proprietário ainda não é o fundo do poço, senhoras e senhores. Há agora a entrega dessas versões ainda mais "engessadas" do que as originais.

Um exemplo terrível desse "gesso" é o fato de tais versões não oferecerem a liberdade necessária para o particionamento do HD [7]. Mesmo reinstalando o sistema operacional alterado, não é possível ajustar as partições às necessidades específicas de seus usuários.

Isso tudo significa que a atual vedete de Redmond, o Windows 7, acaba de cometer seu 8° “pecado” Windows OEM: impossível controlar o particionamento durante a instalação.


Fica difícil combater a pirataria dos sistemas Microsoft quando a própria empresa deixa seus clientes à mercê de fabricantes de computadores cujas práticas comerciais são tão questionáveis e revoltantes.

Aliás, o que seria um sistema operacional original em face às atuais versões adulteradas que começam a infestar o mercado?

CONCLUSÕES



O licenciamento OEM para software proprietário desenvolveu contornos corporativistas nefastos, que exigem a imediata ação do poder público.

Claro, é possível que tais licenças sejam úteis em alguns casos isolados [9] mas o que se constata ao menos no cenário brasileiro é claramente uma cilada. Licenças OEM para programas originais, acompanhadas de versões adaptadas dos mesmos. Tudo isso entregue ao cliente final sem que ele compreenda que NÃO recebeu o esperado.
Software Livre ameaçado por estratagemas corporativistas.


E no caso dos computadores com sistemas Windows OEM, não há saída. Mesmo que se receba os discos para reinstalação, estes já estarão modificados, e o software original que deveria acompanhar a licença OEM não poderá ser instalado. A licença não dá qualquer mostra das modificações que leva consigo, e quando se exige o sistema operacional original, este é negado pelo fabricante da máquina.

O discurso dos fabricantes é tão tocante que faz chorar [10]. Redução de custos. Isso transborda compaixão, não é mesmo? São franciscanos disfarçados de executivos capitalistas.

A pavorosa padronização engessada de sistemas Windows OEM reduz, obviamente, o valor de um computador no momento da aquisição do mesmo. Trocando em miúdos, facilita a venda.

E depois?

Os custos relativos à imposição do uso de sistemas operacionais irreversivelmente padronizados remetem a conjecturas terríveis.

O choque que essa falta de liberdade traz, pode paralisar equipes de desenvolvimento de software por exemplo. Pode dificultar a disseminação de sistemas operacionais livres, já que engessa o particionamento, e portanto dificulta o estabelecimento de ambientes multi boot.

O termo “convergência de infraestrutura” é um belo conjunto de vitórias régias, dificultando aos observadores mais incautos, a constatação da podridão traiçoeira presente em práticas competitivas que infestam o rio do mercado de tecnologia.

O que reduz custos no momento da venda é um potencial problema em todos os demais momentos que o sucedem. Emperra atividades comerciais, engana consumidores e fere violentamente a liberdade de escolha

Esses franciscanos!

FIQUE ATENTO



Quando adquirir software OEM, certifique‑se de estar recebendo o sistema operacional correto.
Armadilha OEM

Verifique a nota fiscal. Caso o sistema esteja discriminado como custom ou algo parecido, você NÃO estará recebendo a versão original daquele software e dificilmente a conseguirá após assinar o canhoto da nota.

Pode‑se não conseguir combater a venda casada que os lobistas da Microsoft [8] conseguiram “legalizar” no mercado, e à qual se referem docemente por “convergência de infraestrutura” ou “simplificação da TI” [11]. Quanta ternura.

Contudo, deve‑se lutar para evitar que o software proprietário se torne um monstro corporativista capaz de violentar, impune, o Código de Defesa do Consumidor. Ceteris paribus, a tendência é que a propaganda enganosa comece a ser encarada com normalidade.

EMPURRARAM-TE O WINDOWS GOELA ABAIXO?



O seu caso é ainda pior? Você não deseja o software OEM?


Bem, esta dica vai àqueles que tiveram que pagar pelo sistema operacional sem no entanto precisar dele ou seja, aqueles vitimados pela “legalização” da venda casada.

Não tenha preguiça! Vá ao PROCON o quanto antes e solicite o reembolso com os seguintes argumentos, já impressos em papel:

o Código de Defesa do Consumidor:
“... Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços,
dentre outras práticas abusivas:
I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;...”;

o contrato de uso do Windows (EULA) [12]:
“... AO INSTALAR, COPIAR OU DE OUTRO MODO USAR O SOFTWARE VOCÊ ESTARÁ CONCORDANDO EM VINCULAR-SE AOS TERMOS DESTE EULA. CASO VOCÊ NÃO ESTEJA DE ACORDO, NÃO INSTALE, COPIE OU UTILIZE O SOFTWARE; VOCÊ PODERÁ DEVOLVÊ-LO AO ESTABELECIMENTO EM QUE O ADQUIRIU PARA OBTER O REEMBOLSO TOTAL, SE APLICÁVEL EM SUA JURISDIÇÃO...”; e

a nota fiscal -- obviamente.

Referências



[1] HP Microsoft Frontline Partnership
http://www.hpmspartners.com/
Visitado em 14/07/2010

[2] What is OEM?
http://searchitchannel.techtarget.com/sDefinition/0,,sid96_gci214136,00.html
Visitado em 14/07/2010

[3] Código de Defesa do Consumidor (CDC)
Lei nº 8.078 de 11 de SETEMBRO de 1990:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8078.htm
Visitado em 14/07/2010

[4] VENDA CASADA É CRIME
http://www.vendacasadaecrime.org.br/
Visitado em 14/07/2010

[5] Windows Server 2008 Foundation
http://www.microsoft.com/brasil/servidores/windowsserver2008/editions/foundation.mspx
Visitado em 14/07/2010

[6] Licença Microsoft OEM (página visitada em 27/MAIO/2010)
http://www.microsoft.com/brasil/licenciamento/licenciamentooem.mspx
Visitado em 14/07/2010

[7] Partição
https://secure.wikimedia.org/wikipedia/pt/wiki/Parti%C3%A7%C3%A3o
Visitado em 14/07/2010

[8] Windows 7 Sins
uma página da Free Software Foundation contra a Microsoft e o software proprietário
http://en.windows7sins.org/
Visitado em 14/07/2010

[9] Google Video Case Study
http://content.dell.com/us/en/enterprise/d/videos~en/Documents~google_video_case_study.flv.aspx
Visitado em 14/07/2010

[10] HP detalha papel do canal na parceria com a Microsoft
por Haline Mayra
http://www.resellerweb.com.br/noticias/index.asp?cod=64421
Visitado em 14/07/2010

[11] HP aposta em convergência de infraestrutura
http://www.itweb.com.br/noticias/index.asp?cod=69331
Visitado em 14/07/2010

[12] License Terms
http://www.microsoft.com/About/Legal/EN/US/IntellectualProperty/UseTerms/Default.aspx
Visitado em 14/07/2010

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